domingo, 3 de outubro de 2010

Goma 16


Estive viajando. Me cansei bastante pelas extremidades e pelas tabelas. O recheio de tudo, na verdade, tornou o cansaço doce e o sono mais profundo – como aquele dos justos. João Pessoa é uma cidade encantadora. Uma maquete, como a que fazíamos nos tempos de infância no colégio. Nunca quis ser arquiteta ou engenheira. Nem pedreira ou pintora de paredes. Mas se pensasse em construir uma cidade, não seria Brasília, seria João Pessoa, inclusive com suas pessoas, adoráveis, quentes, sorridentes, misturadas – tal qual sua culinária – esta, confesso, para mim, quase inadaptável. Miscelâneas não são muito o meu forte, a não ser quando se trata de cores de roupas... Uma vez minha mãe me disse que nem todo dia é carnaval. Talvez eu pense nisso porque eu sempre me sinto triste quando ele chega. E todo dia a tristeza vem me ver mesmo... todo dia é carnaval em minha vida. Não tive tantos dias de carnaval em João Pessoa. Ao contrário, estive feliz, de fato. Nilton me fez sorrir, como os pessoenses. Até quis comer pimenta como chocolate. Foi incrível me sentir pertencente, importante, agregada. Posso justificar isso com mais uma pérola reproduzida por minha mãe: “...nas costas de calango lagartixa bebe água”. A celebridade à milaneZa me tornou uma também. Quase paguei excesso de bagagem por causa dos presentes tantos que trouxe de lá. Nunca tinha visto disso tão de perto: quilos de gentileza, com toque de cor, leveza, calor. Um pôr do Sol na praia do Jacaré ao som saxofoneado que entoava o Bolero de Ravel. Lá vinha, se equilibrando em um barquinho, o Jurandir do Sax. Passando em frente à luz escurecendo. Não dava prá saber quem era a estrela daquilo ali. Eu tinha duas câmeras nas mãos, mas o registro principal ficou na saudade. Eu tinha cansaço, incômodo dos pontos de uma cirurgia, vontade de chegar em casa, abraçar o namorado, brincar com os cachorros. Mas o que sobrava era a grandiosidade do momento, o sabor do cumprimento de um acordo – tanto profissional quanto fraterno, o desejo de que existam outras chances de não ter a tristeza que tanto me vem em meus repetitivos dias de carnaval. O que restou de toda a viagem é o que ainda me engole hoje... e que me parece uma certeza de que quero ficar... ficar com a vida.


(Em 15 de maio de 2010)

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