domingo, 3 de outubro de 2010

Goma 15


Não tem jeito. Sou mesmo uma bossanovista de carteirinha. Em todo o meu tempo, remoto e cotidiano, tenho sofrido daquelas crises de uso e abuso dessa química sonora. Com o mesmo affair que tenho com o rock’n’roll, dos cigarros e do vinho seco (blanc), da batida rasgada e do compasso marcado, de quatro em quatro cardíacos pontos, me norteio e me centralizo. Jazzista e rockeira progressiva. Mas antes, bossanovista. De entrega e abandono. E mesmo solitária, pertenço. Sinto a força e a ferida. Eu e os cinco buracos da minha cabeça. Como a que sente o ápice do transe, o céu e o inferno e o paraíso, enfim. Na cama, no chão, de pés, descalços. A bossa nova, admito, me apossa. Como nada e nem ninguém. São os tambores, acho. Pode me chamar, me delatar, me confundir. Mas disso eu não me canso de viver. Ai, quem me dera ir-me com meu piano e a bossa nova prá algum lugar, sem precisar dizer que quero ter essa pretensão de não querer nada, nada não. Tudo seria compensatório e rasgando o coração eu não teria medo de sofrer. Assim eu até acredito que “é melhor ser alegre que ser triste”. Eu poria um pouco só de amor em minhas cadências e talvez eu levasse, sim, um pouco de tristeza prá compor um samba... saravá! Pediria bênção ao Vinícius, aquele amigo do cachorro engarrafado. E também ao Jobim com suas teclas tão cintilantes. Pediria bênção prá viver. Neste exato momento até penso em me decidir por ela, pela vida... e pela beleza, pela sabedoria. E (re)começaria. E (re)nasceria mais vezes prá sofrer de alegria. Minha alma é negra e vem do gueto. Dos tambores de Angola. Das argolas de um tronco. Da prisão de um espelho. Das águas doces de um choro copioso. De um Sol que arde ouvindo as ondas de um chamado. E mesmo solitária eu encontraria meu par e seríamos tal como somos, dançantes no quaternário sinatriano, com a barba de molho e o corpo na rede. Nem baião, nem marchinha, nem samba. Nem jazz ou melodia erudita. Bossa Nova. Em suas origens e visitações, em suas rimas e transgressões. De toda essa mescla e sua regência. Inda vou ser tudo isso em completude. Em voz, em mãos. E vocês podem pagar prá ver, ouvir e par(t)ir... como quiserem.


(Em 03 de abril de 2010)

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