quarta-feira, 28 de março de 2012

Ser anti-édipo



Para que ser anti-édipo possa tornar-se um estilo de vida e pensamento, um guia cotidiano com  sugestões para o exercício dessa arte propostas por Michel Foucault:

- Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;

- Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;

- Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;

- Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;

- Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;

- Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;

- Não caia de amores pelo poder.


(Michel Foucault em "Introdução a uma vida não fascista", prefácio de "O anti-édipo", grande obra de Gilles Deleuze e Félix Guattari).

quarta-feira, 14 de março de 2012

Dançando com o desejo


E quem foi que disse que desejo é prazer? Prazer pode ser uma manifestação ou uma expressão dos desejos que se agenciam, mas o prazer não faz ninguém dançar. O prazer pode refletir, espelhar, decalcar desejos, mas não é o seu cerne e nem a sua profundeza. Os desejos não existem sem agenciamentos, mas essa não é uma relação de causa e efeito, origem e fim. Quem dança com o desejo é o encontro. O encontro de agenciamentos. Agenciamentos de desejos. Há aí uma dança ética, onde a necessidade da natureza supera a conveniência da vontade, para lembrar Spinoza. Pois dancemos por entre, como meios de desejos, dancemos com eles, com todos esses agenciamentos. Nessa dança eclode o que se pode sentir como potência, e não simplesmente como um estado de afeto e de sentimento. Aí tudo estoura e tudo cria, tudo rompe e tudo renasce. Basta uma dança com o desejo e os passos se recompõem em uma nova criação, uma outra coreografia, de certo improvisada, mas, por isso mesmo, cheia de uma beleza nada estanque. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Das diferenças


(Francis Bacon, em um de seus auto-retratos)

No meio desses tantos tudos, desses tantos todos, é preciso não parar de teatralizar esses devires loucos nesses nossos corpos meio moucos. Sim, ensurdecidos pela campanha narcísica e hipnotizante que nos lança a chamada de sermos iguais. E do que é mesmo que trata essa igualdade senão de uma proposta (in)conveniente de afirmar nossas diferenças? Seria formidável se realmente nos interessássemos por elas, por essas multiplicidades. No entanto, apostamos, como um vício pernicioso, em reverter a qualidade da diferença à redução de uma identidade de genéricos. Não é nada tão simples e nem visível. É de uma ordem da comodidade em não exercitar (re)criações, não potencializar paixões, nem (re)pensar as repetições desse nosso mundo caótico e errante. Desconstruir o senso comum é permitir que venham transformações, loucas, infantis, artísticas, em descobertas de contradições, em entrecruzamentos tão filosóficos e poéticos quanto demasiadamente humanos.