quinta-feira, 4 de abril de 2013

O poeta está vivo em meus moinhos de vento...


Agenor de Miranda Araújo Neto. Cazuza. 32 anos na capa da Revista Veja de abril de 1990 - três meses antes de morrer. O discurso estampado como matéria principal da revista convidava o leitor ao espetáculo de uma agonia tão particular quanto pública. Obviamente, estávamos muito (mais) aquém das estratégias e cuidados terapêuticos no combate ao HIV, e, certamente, ainda mais enraizados num paradigma confeitado e vistoso de preconceito - que parece, socialmente, fundamental para se viver em uma ordem moral vigente desde que Adão comeu a maçã. Não adentrando pelas veredas dessa temática do preconceito (deixo para uma outra oportunidade, quando as efusividades em torno das polêmicas absurdas de Marco Feliciano se forem pelo ralo), gostaria de olhar Cazuza. Hoje, o compositor e intérprete, completa 55 anos. É certo, em memória... Mas não julgo a aplicação do verbo no tempo presente inadequada. "O poeta não morreu... foi ao inferno e voltou", bem disseram Dulce Quental e Roberto Frejat. O fato é que eu adoraria tocá-lo. Adoraria abraçá-lo. Passaria por cima das minhas limitações geográfico-físicas-econômicas-todas só para vê-lo num palco, num corredor qualquer, na areia da praia ou mesmo num hospital. Eu adoraria. Mas entendo que assim, daqui de longe, desde ontem e até amanhã, eu o sinto bem mais perto. Eu o sinto em sua história, em sua poesia, em sua música. Eu o sinto em sua potência. Uma quase inesgotável. Tudo isso é o que a Revista Veja, que anunciou a morte de Cazuza, estando ainda ele em luta e amor com e pela vida, não via. O recheio referente à capa macabra findava o corpo e a obra do artista, negando qualquer chance de genialidade do autor. Quando o comparou a Noel Rosa, que viveu 26 anos e somou mais de 200 canções que "entrariam para a eternidade afora", fincou a opinião de que esse não seria o mesmo destino de Cazuza. Nada como o tempo para responder ao sensacionalismo midiático dessa espécie! É um regozijo! E sei que não falo só por mim... trago um coro de milhares de amantes de Cazuza comigo. Pois Viva, Cazuza! Em mim e em nós! Passaremos adiante, faremos releituras, sentiremos saudades... produziremos crítica, articularemos política, amaremos a vida, nos entregaremos ao desejo e às possibilidades máximas de experimentação de nós mesmos. É isso o que há nessa herança que você nos deixou! Feliz seu aniversário pra quem te ama! A sua poesia continua viva em meus moinhos de vento... 

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Tudo encadeado e em movimento


Tudo está na natureza encadeado e em movimento – cuspe, veneno, tristeza, carne, moinho, lamento, ódio, dor, cebola e coentro, gordura, sangue, frieza, isso tudo está no centro de uma mesma e estranha mesa. Misture cada elemento – uma pitada de dor, uma colher de fomento, uma gota de terror. O suco dos sentimentos, raiva, medo ou desamor, produz novos condimentos, lágrima, pus e suor, mas, inverta o segmento, intensifique a mistura, temperódio, lagrimento, sangalho com tristezura, carnento, venemoinho, remexa tudo por dentro, passe tudo no moinho, moa a carne, sangre o coentro, chore e envenene a gordura: você terá um unguento, uma baba, grossa e escura, essência do meu tormento e molho de uma fritura de paladar violento que, engolindo, a criatura repara o meu sofrimento co'a morte, lenta e segura. Eles pensam que a maré vai, mas nunca volta. Até agora eles estavam comandando o meu destino e eu fui, fui, fui, fui recuando, recolhendo fúrias. Hoje eu sou onda solta e tão forte quanto eles me imaginam fraca. Quando eles virem invertida a correnteza, quero saber se eles resistem à surpresa, quero ver como eles reagem à ressaca. Meus filhos, vocês vão lá na solenidade, digam à moça que a mamãe está contente tanto assim que lhe preparou este presente pra que ela prove como prova de amizade. Beijem seu pai, lhe desejem felicidade co’a moça e voltem correndo, que eu e vocês também vamos comemorar, sós, só nós três, vamos mastigar um naco de eternidade...

(Chico Buarque e Paulo Pontes. Gota D’Água. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira Ed., 1982, p.160)

terça-feira, 2 de abril de 2013

Pertencendo ao tempo...



(Máquina Zaratustra, Taanteatro)


(...) Pertence realmente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com ele, nem se adequa a suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual. Mas, justamente por isso, a partir desse afastamento e desse anacronismo, é mais capaz do que os outros de perceber e de apreender o seu tempo. (...) 

(Giorgio Agamben, em "O que é o contemporâneo"). 

(...) porque todos somos devorados pela febre da história e deveríamos, pelo menos, nos dar conta disso. 

(Friedrich Nietzsche, em "Considerações intempestivas").

Fazendo morrer a consciência



Sob inspiração de Espinosa e em uma releitura de Claudio Ulpiano, teço essas palavras... 

Os meus encontros com a consciência nunca foram felizes. Essa é uma referência à consciência que nos torna servos do plano econômico, mas nunca potentes no campo político. Uma consciência em relação a qual estamos condenados e à cuja condenação nos comprazemos, uma instância que nos conduz à culpa e ao ressentimento, que nos faz idolatrar o poder e que, nessa (re)ação, nos torna separados do que podemos enquanto potência. 

Nada disso que me proponho a escrever é diferente do que tenho me proposto viver. É que a filosofia, o entendimento da possibilidade de ultrapassar um gênero primeiro do conhecimento tão filiado à consciência, alimenta o meu investimento de desejo de pensamento - e logo, de liberdade. Não, não sou livre. Eu deveria nascer de novo e ser mais uma vez constituída para chegar a tanto. Mas consigo me saber possível, me sentir potente. E isso é tanto e tão intenso que posso me desapegar de mim mesma e de minha natureza. Posso até saltar à morte e beijá-la amavelmente...

Em meus dias, por entre as horas em que me saibo e me sinto nessa relação de beleza e alegria, faço viver alguma liberdade e posso deixar morrer essa consciência de pecado e negação, de ódio e veneno, de um adoecimento tão desnecessário. E ainda que essas circunstâncias sejam raras, acabam por tornar-se eternas, haja vista que produzem cores e contornos que atualizam em mim as centelhas de uma a(fe)tividade ética, ativa e livre, que me constitui com o mundo.


- segue a sugestão para um bom encontro: 
("Pensamento e liberdade em Espinoza" - aula de Claudio Ulpiano).